Destruir a história dos fracos é isto que se quer?
Prof. Dr. Francisco Mesquita de Oliveira
O Brasil, infelizmente, tem uma trajetória de desprezo pela história dos fracos. Melhor dizendo, história de bravos lutadores, pessoas simples do povo que enfrentaramas adversidades da realidade sociopolítica excludente e não conseguiram sobrepor-se aos grupos políticos e economicamente fortes, por isso são subjugados até mesmo na história. Foi assim com os índios capturados e submetidos ao trabalhos forçado no período colonial brasileiro; com os negros escravos fugidos de engenhos e fazendas de escravospara os quilombos; com os sigamos e; com trabalhadores rurais que tombaram na lutapor justiça social no campo.Todos esses sujeitos passam ao largo na história “oficial” brasileira.
Um exemplo clássico de grupos poderosos passar borracha na história dos fracos é o caso do açude de Cocorobó, construído no Estado da Bahiapelo governo militar em 1969, no local aonde existia as ruinas da cidade de Belo Monte (de Antônio Conselheiro), onde cerca de 25 mil pessoas (ex-escravos e sertanejos) viveram sob a liderança religiosa de Antônio Conselheiro.Para defender sua cidade e organização comunitária, resistiram, enquanto puderam, às investidas do exército brasileiroentre 1896 e 1897, lutaram contra canhõescom facão, foices, espingardas de chumbo, etc. conhecida guerra dos Canudos.Hoje, só mergulhando no açude para visitar as ruinas da cidade.
A tentativa de passar a borracha no “Calvário de Cristo Hoje”, painel pintado na Igreja matriz de Esperantinaque representa a realidade religiosa, social e política daquele município nos anos 80, soma-se ao aniquilamento da história dos fracos. Aliás, lamentavelmente Esperantinatem incidência no aniquilamento da história dos fracos, é o caso, por exemplo, do massacre dos ciganosno início do século XX; massacre dos Borges na década de 40 e;descaso com a história dos quilombolas de Olho D`água dos Negros e quase minguem no município conhece esses atos de atrocidades a históriasocial local. Assim, se confirmada a informação de que o painel da Igreja será raspado, apagado, extinto os responsáveis pelo ato juntam-se aos aniquiladores da história dos fracos esperantinense. Isto será lastimável!
O painel pintado na Igreja não é somente uma “peça” de arte sacra, com seu valor cultural artístico e religioso colossal, é mais do que isto, não que isto seja pouco, ele representa parte da história social, política e religiosado povo esperantinense nos anos 80. História essa construída pelas Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs), pelos trabalhadores rurais organizados em sindicato, pelas mulheres organizadas quebradeira de coco babaçu, pelos jovens e crianças. Representa também um contexto político de forte antagonismo econômico e social brasileiro, na dimensão daquele município. Essa história não pode ser negada, esquecida, apagada, espoliada ela é patrimônio imaterial da população esperantinense, é parte intrínseca de sua história social e religioso. Somente pessoas que desprezamo valor cientifico, cultural e artístico da história poderiam cometer tamanha atrocidade contra a história de um povo. Mas acreditem, o Brasil e o mundo estão cheios dessas pessoas.Daí o dever cívico de cada cidadão, zelar por sua história.
Além do significado religioso e cultural daquele painel, “Calvário de Cristo Hoje”, ele também representa a expressão da vida cotidiana de parte significativa da população esperantinense, pessoas que no processo de desenvolvimento socioeconômico brasileiro e piauiense foram excluídas e marginalizadas.Essas pessoas se veem na representação do Calvário, se percebem com um olhar de esperança e ressureição, com a esperança de erguer-se e levantar-se socialmente num sistema econômico injusto e excludente. É isto que o “Calvário de Cristo Hoje” representa à população pobre de Esperantina, a esperança de uma ressureição social. Passar a borracha naquela obra sacra é apagar a esperança latente de ressurreição social da maioria da população esperantinense. Um povo que não luta pela sua história não merece tê-la!
Francisco Mesquita é Esperantinense, licenciado em História, mestre em Ciência Política, Doutor em Sociologia, professor Adjunto III do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Piauí (UFPI), professor e coordenador do Mestrado em Sociologia da UFPI.
Olá, Dr.Mesquita! Temos orgulho de você! Um esperantinense que nunca perdeu suas origens e sempre está do lado dos empobrecidos.Sim não vamos deixar destruir a história dos pobres.Nosso Calvário fica. Abraço!
Parabéns Mesquita, pelo belíssimo comentário. Que bom a gente ver expressão de pessoas como você que tem amor por nossa historia e nossa terra. O painel fica!
Parabéns Mesquita, pelo belíssimo comentário. Que bom a gente ver expressão de pessoas como você que tem amor por nossa história e nossa terra. O Painel fica!
Com muito respeito estou acompanhando a discucao a respeito do painel na igreja matriz de Esperantina. Sou agente pastoral. Nos anos 84-89 tinha o grande prazer de trabalhar com o povo da comunidade de Sao Goncalo de Batalha. Ate 93 fiz parte da coordenacao da diocese de Parnaiba junto com o nosso querido Bispo Dom Rufino (falecido), Padre Pedro e irma Veronica (falecido). Aprendi muito nestes anos da vida e da fe deste povo que me deu a oportunidade de entrar nesta caminhada tao bela e participar, caminhar, crer e lutar por um mundo mais fraterno e justo que e sinal do Reino de Deus. Muitas vezes me encontrei diante deste painel, cheio de historia, de fe, de sorfrimento e de esperanca. E uma exressao tao forte da nossa fe como cristaos. As varias pinturas expressam o que nos teologos chamam o templo de Deus: A VIDA, a vida com as “sexta feiras” (a dor e o sofrimento vivida) e os sinais da pascoa ( protecao da vida e as lutas para que todos tenham vida) visando o Reino infinito. E um painel cheio de epiritualidade encarnarda na vida deste povo tao amada. O lugar onde se encontra o painel nao pode ser melhor – dentro da igreja de Esperantina! Tirar este painel nao e so um pecado cultural mas tambem um grande desrespeito de uma caminhada da igreja local.
Bernardo Kuhl (Alemanha)
O Painel atual lembra constrangimento, e, nós queremos PAZ.
Talvez constranja os opressores de ontem e hoje.
O painel lembra o que sofreu Jesus na cruz para que hoje possamos ter PAZ.
Amigo Mesquita,
Somente hoje estou me dirigindo a você dizer que gostei de sua profunda reflexão a respeito do Painel tão comentado de nossa Igreja de Esperantina. Não vamos permitir que apaguem cenas que retratam nossa história.Fico feliz em sentir que você permanece fiel as raízes de sua formação e do nosso povo.Abraço!
Meu caro Mesquita, e todos os comprometido(as) com as causas dos pequenos, que têm coragem de se manifestar, realmente são consistentes as suas considerações em favor desta obra de arte e na defesa dos desfavorecidos do sistema excludente. Não devemos nos calar diante de situações assim, vamos ler o evangelho na vida do povo e nos colocar no meio dele e não fiquemos nas alfândegas da Igreja, nas matrizes das paróquias ou sacristias de Igrejas discutindo o sexo dos anjos ou as cores das paredes do Céu… Ah, e pra se ter paz não precisamos sair deste mundo e sim fazermos a nossa parte sem negar nossa história….