A formanda que homenageou os pais carregando uma enxada. A voz de um outro Brasil
Por Orlando Berti
Ter um familiar alcançando a formatura em um curso superior é uma vitória mais que considerável. Se essa família tiver a primeira pessoa sendo formada, mais louros ainda. E se essa família for da roça, muito pobre, que comeu o pão que o diabo amassou durante décadas, e vê um ente querido chegando ao final de um curso universitário, é um fato a ser mais que louvado. Louva-se mais ainda o ato dessa pessoa reconhecer o seu passado e não sujeitar sua história de lutas para uma coitadinização. Essa pessoa nos mostra que os estudos têm dado voz a um outro Brasil até pouco tempo praticamente alijado das universidades.
Não é mais novidade um pobre ou alguém originário de lugares distantes dos grandes centros chegar à universidade. Cada vez mais pessoas de origem humilde terminam cursos superiores. Alguns chegam até a mestrados e doutorados. A maioria desses vêm transformando suas realidades.
A diferença é que muitos negam suas origens, têm vergonha de um passado de lutas e, mais ainda, rejeitam familiares.
A assistente social, e já já jornalista, Kauany Sousa, 24 anos, continua emocionando o Brasil. No início de abril, ao entrar na cerimônia de formatura do curso de Serviço Social em uma das universidades privadas da cidade potiguar de Mossoró, a jovem quebrou o protocolo. Com muito orgulho, reconheceu seus anos de luta, de continuar sendo filha de agricultores, de ter morado na roça, de ter passado mais da metade da vida residindo em lugares sem energia elétrica, de conhecer à fundo um Brasil geralmente negado por quem está no conforto das grandes cidades.
Ela está vencendo! Fez questão de carregar uma enxada, de chamar seus pais, irmãos e o esposo para compartilhar tamanha alegria. E ela não para por aí. Nos próximos meses concluirá mais uma graduação (a mais sonhada de todas, segundo ela): Jornalismo. Fará acontecer na construção de um Brasil via a luta diária. Mas com um curso superior e com a prática do que aprendeu na universidade, principalmente no fazer diferente.
Assim como o advogado piauiense Ismael Silva, que no ano passado também emocionou o Brasil ao carregar uma faixa em sua formatura (também homenageando os pais de origem humilde), que o exemplo de Kauany Sousa possa alentar quem pensa em desistir dos estudos. Que esses casos possam inspirar quem acha que não pode vencer pelo conhecimento, pela ética e pelo sentimento de transformação social.
A enxada carregada por Kauany continua elevada no ar, mostrando que um trabalhador, seus filhos, seus netos e qualquer um que more nesse país possa ter o mesmo direito e oportunidade de chegar a um ensino superior ou a qualquer outro lugar.
Viva os estudos! Viva a garra e o conhecimento!
Quem quer ser gente será gente, independente de qualquer diferença que você queira apontar. Deixe de incentivar a dicotomizacao entre ricos e pobres. Meus pais não são ricos, porém quis ser médico e hoje sou médico, único e exclusivamente, por minha vontade, méritos meus não por ser pobre.