Alimentação do brasileiro é cada vez mais igual e isso não é nada bom

Por Claudio Barros

supermercadoPopulações ribeirinhas da Amazônia brasileira e do interior do Nordeste estão deixando sua base alimentar de base regional – como a farinha de mandioca – e passando a consumir mais alimentos processados e ultraprocessados. A dieta do supermercado se espalha para além das cidades.

As constatações foram feitas por pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas das Universidades de Brasília (UnB), Federal do Acre (UFAC) e do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), por meio de uma série de estudos realizados nos últimos anos com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp.

De acordo com a pesquisa, o padrão alimentar de populações situadas em locais isolados na Amazônia, no Nordeste e no Centro-Oeste do Brasil e de comunidades de pescadores no litoral norte de São Paulo está cada vez mais semelhante ao de moradores de regiões urbanas do país.

A dieta de comunidades ribeirinhas na Amazônia brasileira, que antes era composta principalmente por alimentos produzidos localmente, como peixe com farinha de mandioca, por exemplo, passou a ser integrada por alimentos industrializados, como enlatados e frangos congelados produzidos nas regiões Sul e Sudeste do país.

“De uma forma geral, os dados obtidos indicam uma homogeneização do padrão alimentar no Brasil”, disse Gabriela Bielefeld Nardoto, professora da UnB e uma das autoras dos estudos.

A perda da identidade alimentar pelas comunidades tradicionais também pode ter impactos na conservação ambiental, apontou.

À medida que essas comunidades perdem sua identidade alimentar, também acabam perdendo sua relação com a paisagem local. Se não precisam mais do peixe para se alimentar, o rio deixa de ser uma fonte alimentar e passa a ser somente um meio de locomoção.

Investigações de padrões alimentares

Os estudos iniciais, de 2002, indicaram que a proporção de carbono oriunda de plantas do tipo fotossintético C4 (como cana-de-açúcar, milho e pastagens) na dieta de habitantes de cidades como Piracicaba, no interior de São Paulo, e Santarém, no interior do Estado do Pará, era semelhante.

Já os moradores de pequenas comunidades rurais, distantes cerca de 50 a 80 quilômetros da cidade de Santarém, apresentam padrões alimentares semelhantes entre si, mas totalmente diferentes em relação a moradores da capital do Pará, Belém.

A fim de investigar se essas diferenças de padrão alimentar entre o meio urbano e as comunidades rurais persistiam em outras regiões da Amazônia, os pesquisadores decidiriam realizar, entre 2007 e 2010, um estudo mais detalhado por meio de uma pesquisa apoiada pela Fapesp, coordenada pelo professor Luiz Antonio Martinelli, do Cena-USP.

No estudo, eles compararam os padrões alimentares de populações urbanas de Manaus e Tefé, no Amazonas, com comunidades ribeirinhas situadas ao longo do rio Solimões, cuja principal fonte de proteína era o pescado.

Além disso, também investigaram os padrões alimentares em comunidades de caiçaras na região de Ubatuba, ao longo da Rodovia Rio-Santos, e da população de bairros próximos às encostas da Serra do Mar – conhecidos como “sertões” de Ubatuba.

Os resultados dos estudos com essas diferentes populações sugeriram que há uma homogeneização do padrão alimentar de moradores que vivem em aglomerados rurais e urbanos de diferentes tamanhos.

Os pesquisadores não encontraram diferenças isotópicas nas unhas dos integrantes de comunidades caiçaras e do “sertão” de Ubatuba em comparação com os moradores das classes C e D de Piracicaba.

“Essas populações já aderiram totalmente à dieta de supermercado”, afirmou Nardoto. “Os pescadores das comunidades caiçaras, por exemplo, usam parte do dinheiro que conseguem com a venda do pescado para comprar frango congelado no centro de Ubatuba”, contou.

Frango congelado da dieta do ribeirinho da Amazônia
No entanto, notaram uma perda da identidade alimentar dessas populações e a penetração de alimentos industrializados, como frango congelado, bolachas, embutidos e refrigerantes, em suas dietas.

“Nossa hipótese era a de que as comunidades mais afastadas dos centros urbanos estariam mantendo a dieta do peixe com farinha. Mas não foi isso que observamos ao longo do rio Solimões”, disse Nardoto.

Quanto mais estruturada a comunidade ribeirinha em termos de acesso à energia elétrica e diesel para abastecimento de barcos para locomoção, mais seu padrão alimentar se assemelhava ao de populações das cidades, que já aderiram totalmente à dieta de supermercado.

O hábito de se alimentar de peixe com farinha de mandioca, por exemplo, está muito mais restrito hoje ao almoço, exemplificou a pesquisadora.

“Eles acabaram preservando consciente ou inconscientemente esse hábito no almoço. Já no jantar e no café da manhã passaram a consumir mais alimentos processados e ultraprocessados”, disse.

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