A vida começa quando decidimos parar de agradar à plateia
“Bravo, Bravíssimo!” — reverencia a plateia. Aplausos. As cortinas se fecham. Sem holofotes, o protagonista se recolhe. Do figurino à cara, à coragem e à maquiagem. Longe dos palcos, a cabeça tomba no travesseiro. Percorre os bastidores dos pensamentos a se questionar: “Há quanto tempo estou interpretando o papel de agradar a todos enquanto me desagrado tanto?”
É certo que a arte imita a vida. Muitos vivem quase que exclusivamente para atender às expectativas do público, seja por uma questão de vaidade, jogo exibicionista, ou porque acreditam dever constantemente ao outro a condição de servir — sob o custo da angústia e do desespero diante da anulação da própria existência. Aquele que faz tudo para agradar a todos enquanto se desagrada sentirá, cedo ou tarde, o arrombo no peito tomado por um vazio existencial. O tempo baterá à porta e cobrará com juros e correção todo desperdício, toda infelicidade contraída.
Enquanto isso, no palco do exibicionismo… É pirueta, firula, cambalhota e o que mais for preciso para ser notado. Quanto vale o show? A vida vira espetáculo: “Olha o que sei fazer”, “Olha pra mim”. Mal sabe o exibicionista o quanto repete suas necessidades infantis acrobáticas pouco nutridas. Nas coxias, entre atos e cenas de possuir e exibir: “Quem sou eu mesmo?”, “O que me resta além do que eu exibo ter?”. Olha, não há nada mais tranquilizador do que se apresentar diante das pessoas como se é — com as qualidades e limitações que todos nós possuímos.
O cenário exuberante esconde a falta de protagonismo sobre a própria vida. Estamos vivendo para agradar à plateia, completamente desencaixados do nosso autêntico papel. Aparentando estar bem, ao passo que nos camarins de nossas verdades secretas sabemos o drama das horas que gastamos pintando a cara de palhaço feliz para satisfazer ao outro. Seria mentira? Seria loucura? Seria pintura? Seria verdade? Felicidade é bem individual, ninguém pode fazer esse papel por nós.
Uma hora a gente se cansa de se perder no caminho entre ser ou não ser. O abrir das cortinas revela o quanto é triste ver a vida passar sem que estejamos presentes. Acredito mesmo que começamos a viver quando decidimos parar de querer agradar à plateia ou, pelo menos, quando encontramos uma maneira genuína de nos agradar juntos e assumir que talvez não seja tão perigoso a gente ser feliz.
Fonte: Revista Bula