Grupo Matizes protesta contra “cura gay” e especialista no Piauí dispara: “não é uma doença”
A decisão do juiz que concedeu liminar para tratar a orientação sexual como um problema psicológico, a chamada ‘cura gay”, dividiu opiniões no Brasil inteiro.
E em Teresina não poderia ser diferente. Em contato com a coordenação do Grupo Matizes, que luta pelos direitos LGBT (Lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros).
“A gente só lamenta uma decisão como essa. Isso é só um reflexo dos tempos sombrios que estamos vivendo, de pessoas quererem tirar os direitos conseguidos ao longo de tantos anos”, disse a coordenadora do grupo Matizes Marinalva Santana por telefone.
Marinalva é casada com Lúcia Quitéria. As duas são casadas há dez anos e juntas têm uma filha. Para ela, não se pode ver a orientação sexual como uma doença: “É triste quando a gente vê algumas pessoas, ditas como profissionais, decidindo que ser gay é ou não é uma doença. O matizes espera que essa decisão caia, até porque o próprio Conselho Federal de Psicologia [CFP] vai recorrer dessa liminar”, afirmou.
Marinalva disse ainda que o grupo Matizes já vem fazendo atuações em escolas e universidades, e que essa é uma prática comum do grupo. “Antes dessa decisão sair, nós já havíamos conversado com o Conselho Regional de Psicologia para uma possível reunião que irá acontecer na próxima semana. Agora com essa decisão, ela é mais que necessária. Mas esperamos que até lá essa liminar já tenha caído”.
A psicóloga formada pela Universidade Estadual do Piauí, especialista em psicologia familiar e pacientes enlutados , Ana Rosa diz que a decisão do juiz é um retrocesso para a sociedade. “É uma decisão muito mal embasada. Tratar a decisão sexual como uma doença é algo de se causar muita indignação. Eu e meus colegas vimos essa notícia como um retrocesso, até porque dentro da própria psicologia há uma luta da inserção da identidade de gênero, fiquei indignada com a decisão”, pontuou a especialista.
Em nota o Conselho Federal de Psicologia disse que foi contra a ação e que os representantes do órgão destacaram que a homossexualidade não é considerada patologia. O CFP destacou ainda que com a decisão há impactos negativos no enfrentamento aos preconceitos e na proteção dos direitos da população LGBT. Por fim o Conselho informou que o processo está em sua fase inicial e afirmou que vai recorrer da decisão liminar.
Veja nota do Conselho Federal de Psicologia na íntegra
A Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal acatou parcialmente o pedido liminar numa ação popular contra a Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que orienta os profissionais da área a atuar nas questões relativas à orientação sexual. A decisão liminar, proferida nesta sexta-feira (15/9), abre a perigosa possibilidade de uso de terapias de reversão sexual. A ação foi movida por um grupo de psicólogas (os) defensores dessa prática, que representa uma violação dos direitos humanos e não tem qualquer embasamento científico.
Na audiência de justificativa prévia para análise do pedido de liminar, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou contrário à ação, apresentando evidências jurídicas, científicas e técnicas que refutavam o pedido liminar. Os representantes do CFP destacaram que a homossexualidade não é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) – entendimento reconhecimento internacionalmente. Também alertaram que as terapias de reversão sexual não têm resolutividade, como apontam estudos feitos pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem sequelas e agravos ao sofrimento psíquico.
O CFP lembrou, ainda, os impactos positivos que a Resolução 01/99 produz no enfrentamento aos preconceitos e na proteção dos direitos da população LGBT no contexto social brasileiro, que apresenta altos índices de violência e mortes por LGBTfobia. Demonstrou, também, que não há qualquer cerceamento da liberdade profissional e de pesquisas na área de sexualidade decorrentes dos pressupostos da resolução.
A decisão liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho mantém a integralidade do texto da Resolução 01/99, mas determina que o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogas (os) façam atendimento buscando reorientação sexual. Ressalta, ainda, o caráter reservado do atendimento e veda a propaganda e a publicidade.
Interpretação – O que está em jogo é o enfraquecimento da Resolução 01/99 pela disputa de sua interpretação, já que até agora outras tentativas de sustar a norma, inclusive por meio de lei federal, não obtiveram sucesso. O Judiciário se equivoca, neste caso, ao desconsiderar a diretriz ética que embasa a resolução, que é reconhecer como legítimas as orientações sexuais não heteronormativas, sem as criminalizar ou patologizar. A decisão do juiz, valendo-se dos manuais psiquiátricos, reintroduz a perspectiva patologizante, ferindo o cerne da Resolução 01/99.
O Conselho Federal de Psicologia informa que o processo está em sua fase inicial e afirma que vai recorrer da decisão liminar, bem como lutará em todas as instâncias possíveis para a manutenção da Resolução 01/99, motivo de orgulho de defensoras e defensores dos direitos humanos no Brasil.