Moradores de Rua – necessidade urgente de Atendimento Odontológico
Por Professora Dra Regina Ferraz Mendes e Mestranda Raíssa Marielly Parente Bernardino
Há uma canção que diz “Você já passou por mim/E nem olhou pra mim”. Os versos, carregados de significados sociais, se encaixam perfeitamente no contexto das pessoas em situação de rua, que, em sua imensa maioria, não são percebidas – ou são ignoradas – por quem passa por elas.
Os moradores de rua ou População em Situação de Rua (PSR) são pessoas que, em sua maioria, não são percebidas por quem passa por elas ou são ignoradas por não estarem visivelmente inseridas na sociedade. Assim, é importante que este grupo seja reconhecido na sociedade e, por isso, detentor de direitos. Em saúde, as desigualdades sociais são mais notadas diante do adoecer e morrer, momentos em que são necessárias práticas para redução dessas desigualdades, de modo a garantir condições de vida e saúde mais dignas para todos.
Pesquisas realizadas com população em situação de rua confirmam uma grande necessidade de ações em saúde bucal e destacam a dificuldade de acesso desse grupo a ações e serviços de saúde, principalmente nas unidades básicas de saúde, fazendo com que a assistência à PSR se restrinja essencialmente a serviços de urgência/emergência.
A qualidade de vida relacionada a saúde bucal reflete o conforto das pessoas ao comer ou dormir, a ausência de efeitos negativos das condições bucais na vida social das mesmas e a satisfação delas em relação à sua saúde bucal. Problemas de saúde bucal podem restringir as atividades cotidianas, causando afastamento no trabalho e/ou escola, provocando sofrimento e impactando negativamente na qualidade de vida. Estas alterações podem determinar diminuição da autoconfiança pessoal, repercutindo negativamente nas relações sociais, econômicas, educacionais e/ou ocupacionais.
Uma pesquisa realizada entre janeiro e outubro de 2018 pelo Programa de Pós-graduação em Odontologia da Universidade Federal do Piauí no Centro de referência especializado para população em situação de rua (Centro POP) de Teresina, avaliou as condições bucais e o impacto destas na qualidade de vida da população em situação de rua. Foi observado que as condições de saúde bucal como cárie, presença de fístula, sangramento, bolsas periodontais (perda da aderência e aprofundamento da gengiva ao redor do dente) e exodontia (extração) afetam negativamente a vida da população em situação de rua. Este impacto negativo na qualidade de vida se manifesta principalmente pela presença dor e vergonha devido a ausência dos dentes. Aqueles com menor escolaridade e as mulheres estão entre os que apresentam maior impacto negativo na qualidade de vida relacionada a saúde bucal.
Foi observado também que as pessoas em situação de rua apresentam uma maior quantidade de exodontias em relação a tratamento restaurador, o que pode ser um reflexo da negligência aos cuidados de saúde bucal. Indica que quando estas pessoas tem acesso a tratamento, na maioria das vezes a única opção é o tratamento não conservador. O acesso antecipado aos serviços odontológicos deve ser de interesse para profissionais de saúde e formuladores de políticas públicas. A saúde bucal é mais um desafio entre tantos enfrentado por esta população que vive situações complexas. Os resultados deste trabalho poderão ajudar no planejamento de estratégias de tratamento, a nível de indivíduo ou populacional e na formulação de serviços e políticas públicas relacionadas as práticas odontológicas.