“De retrocesso ao absurdo”: Como seria o Piauí se ficasse só com 157 municípios?
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Economia Paulo Guedes entregaram ao Congresso Nacional um pacote de medidas que propõe a reestruturação do Estado brasileiro, através da PECs como a do Pacto Federativo. Dentre as propostas, a mais polêmica é sobre a fusão de municípios com população inferior a 5 mil habitantes e arrecadação menor do que 10% da receita total. A proposta que mexe com arranjos políticos locais deverá encontrar resistência nas duas casas. Informações OitoMeia.
A sugestão de mudança na legislação que consta na PEC 188/2019 poderá afetar pelo menos 1253 municípios brasileiros, isto é aqueles que têm menos que cinco mil habitantes. Já segundo o levantamento divulgado pelo site Poder360, o número cai para 769, quando soma-se os dois critérios: não arrecadação de 10% da receita própria e número de habitantes abaixo dos cinco mil.
A aprovação da medida resultaria na dissolução de quase 20 mil cargos entre prefeitos, vice-prefeitos, funcionários das prefeituras, vereadores e funcionários das câmaras de vereadores. O levantamento foi feito com base nos dados do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro), órgão do Tesouro Nacional que reúne as receitas informadas pelas prefeituras municipais.
Piauí será um dos mais afetados
O Piauí é o terceiro estado brasileiro mais afetado com a proposta. Se aprovada, 67 municípios serão extintos somando uma população de mais de 258 mil pessoas. O que contabiliza uma redução de 134 cargos no executivo municipal, além de aproximadamente 603 cargos de vereador. O Piauí fica atrás apenas dos estados de Minas Gerais com 188 cidades em riscos de extinção e o Rio Grande do Sul com 74.
O presidente da Associação Piauiense de Municípios (APPM), Jonas Moura, em entrevista ao OitoMeia na tarde da última sexta-feira (08/11), por telefone, teceu críticas à PEC. Segundo ele, a principal forma de impulsionar a economia dos pequenos municípios é através de uma reforma no código tributário.
“É um prejuízo. Os municípios, mesmo os pequenos, são quem resolvem os problemas da população. Não é extinguindo que vai melhorar. Acho que este assunto chama atenção e facilita a troca por outro assunto da reforma, ou seja, tiram-se os municípios e aprovam o restante. A melhor forma de estimular a economia é reformando o código tributário dos municípios”, opinou Jonas Moura.
Prejuízos políticos para deputados e senadores
O objetivo do Governo Federal é reduzir os gastos públicos e aumentar a capacidade de investimento de estados e municípios. O que foi relatado ao OitoMeia, por unanimidade, pelos parlamentares do Piauí é que a proposta não traz melhorias para a economia local. Ao contrário, os parlamentares acreditam que deixar os recursos com os chamados “municípios mãe”, prejudicaria o desenvolvimento das regiões.
A pauta não é bem recebida no Congresso Nacional principalmente porque mexe com as bases políticas regionais. Muitos dos prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, e população que tem emprego em órgãos ligados ao executivo municipal são aliados e atuam como uma espécie de “cabos eleitorais” dos parlamentares que eleitos e que hoje integram o Congresso Nacional. Perder território e consequentemente, capital político, num ano que antecede as eleições municipais, não é de interesse do legislativo e dificilmente será.
No entanto, a proposta é vista como positiva pelo Governo porque reduz despesas, o que os membros do executivo chamam de reorganização das contas públicas. Mas, ganha notoriedade como uma pauta cara ao legislativo e para a população que teme e visualiza antes de tudo a possibilidade de perder os empregos e consequentemente, renda, gerados pelas prefeituras, câmaras de vereadores e secretarias.
Possibilidade de apoio popular
O ex-deputado estadual e comentarista político Leal Júnior falou que acredita na possibilidade da pauta ser bem aceita pela população. Já que, para ele, há um desgaste na relação entre gestores municipais e o povo. Embora, ressalte que houve melhorias nos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) de áreas emancipadas.
“Entendo que vai ser muito difícil ocorrer essa redução politicamente. Essa proposta pode até ter boa aceitação na opinião pública, em razão do desgaste de gestores municipais e a partir da avaliação de que há muitos gastos com a estrutura e poucos resultados positivos. De modo geral, a imagem dos gestores não é boa. Vale a pena ressaltar que foram feitos estudos que apontaram, por exemplo, que no Piauí, houve uma melhoria do IDH destas regiões emancipadas”, pontuou Leal Júnior.
Dentre os relatos, deputados e senadores informaram ao OitoMeia que não enxergam um lado bom na proposição. Para eles, além dos desgaste político, o Piauí sairia prejudicado e sem mudanças significativas na economia e capacidade de investimento regional. Ao mesmo tempo, que a medida atua como “gambiarra” no Executivo Federal e recursos da União, pode interferir na estrutura social da cidade que perde ocupação e movimentação na economia.
Se aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a medida passar a valer a partir das eleições de 2026. Embora as chances de aprovação sejam mínimas, Bolsonaro disse que vai consultar o povo e só assim, a alteração na Constituição entrará em vigor.
Veja o que pensam os parlamentares do Piauí no Congresso Nacional:
- Deputada federal Margarete Coelho (Progressistas)
“Eu acho um retrocesso, nós não podemos advogar nessa causa de forma nenhuma, causando prejuízos aos que moram nos locais mais distantes das capitais, pelo contrário, nós estamos nos opondo a ela, estamos firmes para enfrentá-la, combatê-la aqui nesta casa do povo. Se a ideia é fortalecer os municípios, nós não podemos extinguir, e sim, temos que chegar com serviços públicos levando direitos e cidadania, ou seja, encurtando as distâncias das pessoas que moram distantes dos grandes centros. Estaremos firmes ao lado dos municípios. Esse momento deve ser de muito trabalho e de muita união em favor das cidades piauienses e de todo o país”.
- Deputado federal Assis Carvalho(PT)
“Pessoalmente, estarei lutando contra esse absurdo. A quantidade de municípios criados no Brasil, não foi criada por nós da esquerda, mas no momento em que os mesmos que estão no governo Bolsonaro, estavam dirigindo essa nação. Eu não tenho dúvida nenhuma de que os municípios melhoraram, chegou o calçamento, a água, a estrada, unidades de saúde, escolas. Está provado que os pequenos municípios passaram a receber mais benefícios depois dessa emancipação. Espero que aquele Congresso não aceite mais essa provocação do governo Bolsonaro. Meu voto é contra”.
- Deputada federal Rejane Dias (PT)
“É uma proposta que está no nascedouro. Existe um texto em forma de Emenda à Constituição e é preciso criar ainda uma Comissão Especial para analisar exaustivamente cada impacto da matéria. A meu ver, é uma medida que pode ampliar as desigualdades. Quem propõe algo dessa natureza não conhece a realidade dos municípios, a pobreza, a distância entre um município e outro, os serviços públicos que são essenciais. É claro que a medida trará impacto direto na prestação de serviços para a população.Em alguns casos o povo vai ficar 50, 60 quilômetros longe da sede do município. Nós temos é que, ao contrário, encontrar formas de valorizar os pequenos municípios para que eles cresçam”.
- Deputada federal Iracema Portela (Progressistas)
“Acredito que existem meios de tornar as cidades mais sustentáveis. Existem problemas, sim, mas extinguir os municípios como se a questão fosse apenas financeira me parece uma solução simplista e que vai gerar novas complicações no futuro. Eu acompanho o posicionamento do Progressistas, que é contra essa medida. Vamos nos mobilizar e trabalhar para que esses municípios não sejam extintos”.
- Deputado federal Júlio César (PSD)
“Eu sou contra. Acho que isso vai dar uma complicação para os habitantes desses municípios. Vai diminuir e muito os investimentos, atendimentos aos pleitos do povo porque os recursos vão ficar com os municípios mãe e não voltará na totalidade, vai voltar muito menos. É algo que diminui os investimentos dos municípios”.
- Deputado federal Marcos Aurélio Sampaio (MDB)
“Totalmente contra essa redução”.
- Senador Marcelo Castro (MDB)
“Eu entendo, como o parlamentar do Piauí que mais criou municípios no estado, que todas as leis que temos na Assembleia são da minha lavra, que é uma proposta descabida, estapafúrdia, inoportuna e própria de quem não tem vivência da realidade nacional”.
- Senador Elmano Férrer (Podemos)
“Essa é uma questão polêmica. As demais devem ter consenso. Mas nada é impositivo e tudo está para ser discutido. Vamos ter a liberdade de discutir com a sociedade”.
- Senador Ciro Nogueira (Progressistas)
“Totalmente contra. É um matéria que não tem a menor possibilidade de prosperar na sua aprovação lá no Congresso Nacional”.