O que acontecerá com o Brasil após a pandemia do coronavírus?

Por Francisco Mesquita de Oliveira.

Doutor em sociologia, Francisco Mesquita

Devo iniciar informando aos leitores que não sou biomédico, tão pouco especialista na área de saúde, portanto, essa análise não trata dos aspectos técnicos e bacteriológicos do novo coronavírus. Sou cientista social, que estuda os comportamentos da sociedade. Em outras palavras, estuda o cotidiano das pessoas, suas interações, atitudes, ações, relações sociais e políticas. Portanto, isolamento social é matéria prima de análise da seara da ciência social. É sobre isto que trato aqui: as consequências do isolamento social na sociedade brasileira a pós a covid-19.  

Bem, não é fácil responder à pergunta que lancei no título desse texto: primeiro, simploriamente, nenhuma pessoa tem bola de cristal para predizer o que poderá acontecer em instantes seguintes; segundo, na ciência não existe vidência, existem hipóteses, suposição e teses. Nesse sentido, arrisco-me a apresentar algumas suposições em resposta a questão que segue: o que acontecerá com a sociedade brasileira depois do novo coronavírus?

Primeira inferência: as mudanças no convivo social. Os brasileiros, até então, ainda não tinham passado pela experiência de fechar seu convívio social, manter-se isolado socialmente uns dos outros, ficar em casa, deixar de estar no trabalho, na rua, no bar, na sorveteria, nas praças, nos shoppings, na casa do vizinho, enfim, viver um período em total isolamento social, inclusive afastado de ente querido quando confirmado com a doença. Essa experiência em que estamos obrigados a experimentá-la poderá nos reeducar para a vida em sociedade. Nesse aspecto, dependendo do período de duração do isolamento, poderemos sair mais egoístas ou mais solidários. Quanto mais tempo ficarmos em isolamento, mais escassas ficarão os bens de primeira necessidade, como alimentação e materiais de higiene, aí poderá ocorrer “guerra de todos contra todos” pela consecução de bens de sobrevivência. Ou seja, o desabastecimento de bens e mercadorias nas lojas nos levará a irracionalidade, a agir pelo instinto da sobrevivência, e em tal situação, infelizmente, entra em sena a lei do mais forte, ou seja, os mais fracos e carentes terão mais limites na luta pela sobrevivência.   

Na segunda hipótese, a solidariedade, se o isolamento for curto, entre 45 a 60 dias (apenas uma especulação de prazo), esse sentimento entre as pessoas ainda poderá estar emergindo com força. Ou seja, com o sofrimento alheio tolerado, aparece nas pessoas sentimento mais humanista, de ajuda ao semelhante, de ser útil ao próximo, de querer fazer algo pelas outras pessoas e isto fortalece a solidariedade, a cooperação, a ajuda, o conforto ao outro, o compromisso com o outro. A ação das pessoas está guiada pela racionalidade e empatia entre elas.   

Segunda inferência: é possível que se necessite muito tempo para o Brasil voltar a ser a sociedade de povo acolhedor, amigável, solidário, sociável, extrovertido como é conhecida. O isolamento social, por conta da pandemia da covide-19, até que seja produzido um remédio eficaz, produzirá um processo de afastamento das pessoas por falta de confiança umas nas outas e as relações e interações sociais deixam de serem efetivas. Um inimigo invisível, como o coronavírus, que pode estar em qualquer local, com qualquer pessoa, assombra e dispersa todos os indivíduos. Essa pandemia se assemelha a um espectro, um fantasma às pessoas, e certamente os laços de sociabilidade se rompem pelo processo que todos desconfiam de todos, cada pessoa com medo do seu vizinho, parente, amigo está contaminado e lhe contaminar. Isto cria muros entre as pessoas e elas tendem mais para o isolamento social que a sociabilidade.                                  

Terceira inferência: já não há mais dúvida de que a sociedade brasileira sairá dessa crise mais empobrecida economicamente. Mas, essa questão não está relacionada com a campanha do governo “o Brasil não pode parar”, vá para a rua trabalhar! Tem relação com as consequências da pandemia à economia mundial, que entrará em recessão, ou seja, num processo de retração na produção, no consumo e na circulação de bens. O Brasil não é uma ilha isolada dos demais países para não sofrer as consequências da avalanche recessiva que vem por aí após o coronavírus. Então, certamente no Brasil haverá menos empregos, salários mais achatados, e, consequentemente, mais excluídos e mais empobrecidos, infelizmente.  

Quarta inferência: a sociedade brasileira, assim como outras sociedades mundo afora, após o coronavírus, certamente será outra sociedade onde as pessoas conferem outro sentido à vida. Poderá ocorrer uma onda de mais valor ao humanismo, ao ser humano, interrompendo, assim, um curto período de quase desumanização com acirramento de conflitos, de ódio, de intolerância a religiões, a raça, a ideologias e ao ser humano que pensa diferente do patrão estabelecido. Possivelmente a covid-19 fará a humanidade refletir mais sobre valor da vida, do outro como sujeito e da sociedade como construção social coletiva, construída diariamente nos atos e atitudes de cada pessoa.                

Por fim, como reza o proverbio português: não há mal que bem não traga. Se se pode esperar um bem dessa crise mundial é que a humanidade saia dela mais humana, mais solidaria e menos egoísta.  

* Por Francisco Mesquita de Oliveira é Professor na UFPI, doutor em sociologia.

3 Comentários
  1. Raimundo cajá diz

    Mesquita parabéns pelo texto acho que vc deve enviar pra Claudinho colocar nas redes sociais da Equip. Mas não tô tão esperançoso quanto vc nos efeitos do covid 19 no comportamento da sociedade mas com certeza sairemos da crise para uma crise econômica e gritante desemprego coisa que já estava acontecendo com a atual política econômica só vai servir pra o governo justificar o fracasso dessa politica. Quanto ao comportamento humano não acredito que haverá.mudanca somos muito individualistas e egoístas se acontecer o desabastecimento isso se tornará bem evidente
    A pandemia será pequena pra.mudar nosso comportamento principalmente nesse momento do fundamentalismo latente.

  2. isabela mesquita diz

    amei a material

  3. Jesus Miranda diz

    “guerra de todos contra todos” primeira inferência – é de se pensar pelo fato de a sociedade não se achar mais passiva. Como diz na bíblia: ” o amor da maioria esfriará” e já esfriou, então por esse motivo não dá pra garantir que os “mais fracos e carentes terão mais limites na luta pela sobrevivência” visto hoje muitos dos “mais fracos”estarem desprovido do tal amor e agirem animalescamente causando assim um caos na sociedade, coisa que já é habitual e que pose só se expandir. A maioria das pessoas hoje nao aceita divisão de classe e age de modo brutal. Mesmo qie depois superlote as penitenciárias.

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