Acusado de mandar matar deputado Abraão Gomes pode voltar a sentar no banco dos réus

O Ministério Público do Estado do Piauí recorreu de decisão que absolveu o acusado de ser o mandante do assassinato do então deputado Abraão Gomes – ocorrido em agosto de 1988, o ex-delegado e advogado Virgílio Bacelar. O recurso de apelação é de autoria do promotor João Malato.

Abraão Gomes

Ao opinar sobre, em virtude da peça já se encontrar na 2ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça, sob a relatoria do desembargador Sebastião Ribeiro Martins, o procurador de justiça Antônio Ivan e Silva defendeu a anulação do julgamento em uma peça amplamente fundamentada, contendo 22 páginas.

Sobre o crime, e segundo as investigações policiais, o deputado foi seguido da Assembleia Legislativa até a sua residência. Lá foi alvejado com um tiro de escopeta ainda dentro do carro quando estava parado em frente ao portão – com seu corpo indo parar no banco do passageiro, devido ao impacto.  O acusado de efetuar o disparo no deputado foi o pistoleiro Alcides Nery do Prado.

A TESE DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A SUPOSTA MÁ-FÉ DO RÉU

O Ministério Público alega que “a decisão dos jurados foi manifestadamente contrária à prova dos autos, tendo em vista que foi cabalmente demonstrada a participação do apelado como mandante do crime em tela”.

Já a defesa, nas contrarrazões, argumentou que o recurso não deveria prosperar em face das alegações da acusação serem fundamentadas nas “mesmas bases da primeira apelação”, que foi o “julgamento contrário às provas dos autos”, o que ensejaria a ideia de “recurso repetitivo”, vetado pelo Código de Processo Penal.

Ao opinar, o procurador de Justiça Antônio Ivan e Silva sustentou, antes de adentrar propriamente à questão, que a defesa do réu, e o próprio réu, que advoga em causa própria, agiram de “forma desleal”.

“E digo assim, pelo fato de constatar que a defesa técnica e pessoal não agiram de boa fé e lealdade processual, em verdade são afirmações levianas por parte da defesa, na tentativa de quererem induzir em erro a Colenda Câmara Criminal que julgará este recurso de apelação. Acrescento ainda que induzir a erro não é atitude processual lícita, e também é contrário aos valores morais”.

A irresignação do procurador de justiça foi no sentido de afirmar que o réu Virgílio Bacelar estava tentando induzir a erro os julgadores, uma vez que a 2ª apelação do Ministério Público não seria igual à 1ª. Tal ato de fazer parecer serem iguais, na visão do membro do MPE, atentaria inclusive contra a “dignidade da Justiça”.

Isso porque o primeiro julgamento, segundo trecho do acórdão que permeia a peça recursal, traz que a nulidade do primeiro júri foi em virtude do “comparecimento inferior a 15 jurados” (quórum insuficiente), o que provocou a “nulidade absoluta da decisão do conselho de sentença”. Ainda que o Tribunal sequer “analisou se houve julgamento contrário às provas dos autos”. Tal decisão foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O imbróglio para a acusação e o ponto X para a defesa era provar que o julgamento não poderia ser novamente anulado (ou poderia), em virtude do parágrafo 3º, inciso III, do artigo 593, do Código de Processo Penal, uma vez que este dispositivo proíbe uma segunda anulação de Tribunal Popular do Júri em virtude da utilização do mesmo motivo na reincidência apelativa de decisão do conselho de sentença.

CONTRADIÇÃO ENTRE AS DECISÕES DOS JURADOS

Na visão do MPE, superado esse impasse, houve claras decisões conflitantes na votação dos jurados, quando das respostas aos quesitos formulados, sendo essa a principal e mais contundente linha argumentativa para pedir a anulação do resultado emanado pelo último Tribunal Popular do Júri.

Quando da pergunta:

– “O acusado Virgílio Bacelar de Carvalho concorreu para a prática do fato, planejando e ordenando a terceiro que efetuasse disparo de arma de fogo contra a vítima, produzindo nela as lesões, conforme laudo do Exame Cadavérico de fls. 96, que foram a causa da morte?”

A resposta foi:

– “Quatro votos sim, três votos não”.

Já quando da pergunta:

– “O Jurado absolve o acusado?”

A resposta foi:

– “Quatro votos sim, três votos não”.

“Na hipótese, os jurados responderam positivamente ao quesito da participação, da autoria mediata, ou seja, reconheceram o réu Virgílio Bacelar como autor de ter planejado e mandado matar a vítima”, sustenta o MPE em sua apelação.

“Logo em seguida, sobre ser culpado ou inocente, contrariaram aquela resposta afirmativa anteriormente dada e absolveram-no por maioria dos votos quando da apreciação, ao quarto quesito [formulado aos jurados], ausentes quaisquer excludentes de ilicitude”, complementa a sustentação.

Concluindo por dizer que “de uma análise dos autos, verifico que a única tese absolutória foi a negativa de autoria, não existindo nenhuma outra prova ou tese defensiva que possa conduzir à absolvição”.

O procurador de justiça Antônio Ivan e Silva fez uso ainda do parágrafo único do artigo 564 do Código de Processo Penal, para embasar sua tese: “ocorrerá ainda a nulidade, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre estas”.

“Como o quesito referente à autoria é votado antes do quesito absolutório, se respondido afirmativamente, por consequência, a única tese absolutória defensiva já teria sido negada. Assim, necessariamente, por coerência, os jurados deveriam responder negativamente ao quesito absolutório”, afirma o procurador.

Isso porque no seu entendimento, não haveria outra tese da defesa para absolver o acusado Virgílio Bacelar.

Então como apontar-lhe a autoria de ser o mandante do crime e ao mesmo tempo absolvê-lo?

Fonte: 180graus
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