Após 09 anos, Caso Fernanda Lages é arquivado e MP não apresenta provas
Por Allisson Paixão / OitoMeia
Na próxima terça-feira, dia 25 de agosto, o Caso Fernanda Lages completa exatos nove anos. E eis que no último dia 10 deste mês o processo foi arquivado.
O promotor João Malato, responsável pelo processo, requereu pelo arquivamento alegando “ausência de provas no tocante a autoria do delito, bem como, constata-se a de impossibilidade de suprimento desta carência”.
Exatamente isso que está escrito: o caso Fernanda Lages foi arquivado sem apresentação de provas. Ao final da matéria, disponibilizo a íntegra do processo de arquivamento, toda a peça produzida pelo promotor para a Justiça.
Mas antes, se faz necessário explicar como chegamos a este triste fim de um caso que ganhou ampla repercussão em todo o Piauí, com direito a jornalistas apontando nome de suspeitos, promotores falando em um suposto “figurão político” que tinha o “pé 42”.
Mais uma vez peço permissão ao leitor para escrever em primeira pessoa. Acompanho este caso desde o dia do ocorrido. Em abril de 2017, poucos meses depois lançar o portal, publiquei aqui nesta minha coluna um texto intitulado ‘A indigesta herança de Ubiraci Rocha para João Malato’.
O texto falava do Caso Fernanda Lages, que passou das mãos do promotor de Justiça Ubiraci Rocha, numa tarde de sexta-feira de Carnaval, sem muito alarde, para o promotor João Malato. Já demonstrava a difícil missão que enfrentaria o novo incumbido pelo processo.
POR QUE ARQUIVAR SEM PROVAS?!
Quem acompanhou o caso à época, ouviu muito o promotor Ubiraci, hoje à frente de outros casos, ao lado do Eliardo Cabral, agora aposentado, esbravejarem quase todos os dias em entrevistas na imprensa que até sabiam de um “assassino da Fernanda Lages”. Como pode então, nove anos depois, o MP arquivar o processo sem provas?!
João Malato formulou seu pedido à Justiça pelo arquivamento do famoso caso sem apresentar os culpados que Ubiraci Rocha e Eliardo Cabral diziam conhecer. Em sua peça, também não constam as provas da tese defendida pelos promotores que cuidaram do caso por longos anos. A tese era a de que a estudante fora assassinada.
Malato ficou por exatos três anos e cinco meses à frente do caso. Desde lá o OitoMeia buscou entrevistá-lo, saber o que tinha a dizer, mas ele manteve-se sob um profundo silêncio. Um comportamento bem diferente do que caracterizou Ubiraci e Eliardo. E fez tudo sem avisar a ninguém. No dia 10 de agosto passado, peticionou ao juiz da Vara Criminal o pedido de arquivamento.
TESE DE ASSASSINATO, SEM ASSASSINO…
Em seu pedido, manteve a tese de que Fernanda Lages foi assassinada. Essa conclusão foi a mesma a que os seus colegas chegaram. Entretanto, assim como eles, também não acrescentou nada que pudesse esclarecer ou justificar esse posicionamento. O que é lamentável, pois se há certeza de um assassinato, que seja apresentado esse assassino. No pedido de arquivamento, apenas fundamentações teóricas. O que mais parece ser uma forma de confundir a sociedade e não de esclarecer. Só quem perde com isso tudo é a família da jovem.
Para João Malato, a materialidade do crime existe, mas não é possível provar uma autoria. E assim justifica o arquivamento. Essa justificativa, para o entendimento de que Fernanda fora assassinada, está baseada nos diálogos entre a tia Cassandra Lages e o vigia Domingos, travados na data da morte da jovem. Neste dia, Cassandra acusou o vigia de ter dito que sua sobrinha havia entrado na obra acompanhada de um rapaz “alto, branco e magro”. O delegado Mamede Rodrigues, que estava presente ao local, afirmou em depoimento à Polícia Civil que não ouviu o vigia fazer tal afirmação. Por conta disso, as palavras supostamente proferidas perderam-se na consciência de quem as ouviu.
VIGIA DOMINGOS VERSUS CASSANDRA LAGES
Em seu depoimento à Polícia Civil, no dia 10 de outubro de 2011, o delegado Mamede confirmou que não se recordava de ter levado Cassandra à presença de Domingos e nem do diálogo que teriam mantido. Também não se recordava a respeito das características físicas de alguém que teria entrado juntamente com Fernanda durante a madrugada, como a tia Cassandra acredita ter acontecido. Ele disse ainda que não se lembrava de ter ouvido o vigia falar em alguém “alto, branco e magro”. Disse, inclusive, que iria ouvi-lo somente no dia seguinte ao fato, quando ele esteve no 5º Distrito Policial. Segue trecho do depoimento do delegado Mamede:
“Que a certa altura ficou sabendo que uma tia da jovem estava próxima, oportunidade que foi até sua presença e perguntou-lhe se a vítima possuía algum namorado e de quem se tratava; que após receber as informações sobre o namorado da vítima, nome, endereço, local de trabalho e características físicas, determinou aos investigadores que o localizassem e o levassem a delegacia para tomar seu depoimento; que perguntado se convidou a Sra. Cassandra, tia da vítima, para acompanhá-la até a presença do vigia Domingos para que esse informasse as características de uma pessoa que supostamente teria adentrado na obra acompanhando Fernanda, respondeu: que não se recorda de ter levado a referida senhora até a presença do vigia Domingos naquela manhã, e tampouco se recorda do diálogo ou explicações dadas por esse àquela senhora a respeito de características físicas da pessoa que supostamente entrara ali com Fernanda; que perguntado se ouviu o Sr. Domingos afirmar que a pessoa que adentrara na obra com a vítima se tratava de alguém alto, alvo e magro, respondeu: que não se recorda de ter ouvido essa afirmação por parte do vigia Domingos, mesmo porque somente procurou ouvi-lo no dia seguinte quando esse esteve prestando depoimento no 5º DP, ocasião que disse ter visto apenas uma pessoa entrando na obra conforme consta no seu depoimento contido nos autos”.
ASSASSINO: HOMEM BRANCO, ALTO E MAGRO; MAS QUEM?!
Cassandra também falou sobre o assunto. Ela disse que ratificaria suas declarações no sentido de que ouviu do vigia Domingos, ele dizendo, “em alto e bom tom”, que o homem que entrou com Fernanda no interior da obra possuía as características “alto, branco e magro”. Este seria então o assassino. Mas quem seria, afinal de contas, esse perfil descrito por Cassandra Lages? Mesmo com todo o robusto inquérito policial feito pelas Polícias Civil e Federal – ambas concluíram em morte violenta, causada por suicídio ou queda acidental- o promotor João Malato seguiu a mesma linha de raciocínio dos colegas Eliardo Cabral e Ubiraci Rocha. Sendo assim, para o MP, não há dúvida: Fernanda Lages foi assassinada. Porém não há provas e nem sabe-se lá por que, ninguém sabe explicar como o assassinato aconteceu e muito menos quem o cometeu.
Para refrescar a memória do leitor, não custa lembrar: em maio de 2016, um dos promotores iniciais do caso, Ubiraci Rocha, afirmou em entrevista ao jornalista Arimateia Azevedo que não havia materialidade e nem autoria do crime. Portanto, não haveria como seguir com uma persecução penal. Foi quando o promotor começava a deixar o caso e deixava a conclusão por conta do colega. Por qual razão, então, o promotor não se pronunciou desta forma nos autos para expor sua conclusão? Abaixo, assista entrevista do Portal Az, de Ubiraci Rocha concedida ao jornalista Arimateia Azevedo onde fala sobre o assunto:
TRISTE FIM: ARQUIVAMENTO SEM PROVAS É ALGO INACEITÁVEL
O fato é que, após nove anos, o Ministério Público encerra sua participação de forma silenciosa, com um processo muito mais cheio de falas e promessas do que algo que possa consolidar a tese dos promotores. Uma pena para um órgão que tem sim credibilidade perante à sociedade. Mas talvez alguns de seus pares tenham usado disso de má fé, despertando toda a opinião pública para um sentimento de que se faça a justiça, mas que não consegue concretizá-la sendo feita. Vai ficar marcado como um caso cheio de ilações absurdas sobre o perfil de um assassino que até agora se provou apenas inexistente. O MP-PI sai de cena deixando um vácuo e um silêncio suspeito de quem insiste em algo, mas não faz questão e nem esforço para demonstra-lo verdadeiro.
A impressão que fica é a de que tudo aquilo que fizeram os promotores iniciais do caso não passava de uma espécie de teatro. E, para não deixar o parquet em situação mais constrangedora ainda, o caso é encerrado insistindo numa tese que, infelizmente, nunca conseguiram provar. Caberia à Corregedoria do Ministério Público investigar a conduta exibicionista dos seus membros. Acompanhei o Caso Fernanda Lages desde o começo. O pedido de arquivamento sem provas -que, segundo o confuso processo preparado “pode ser reaberto”- é um desrespeito à sociedade. Era tudo que a maioria das pessoas, ansiosas pela revelação do nome de um assassino, não queria escutar / ler / assistir. Que a alma de Fernanda Lages possa finalmente descansar em paz.