COSTA RICA: um Estado sem exercito
Enviado por Francisco Mesquita
Estive na Costa Rica entre os dias 30 de novembro e 04 de dezembro de 2015 para participar e apresentar trabalho científico no XXX Congresso Latino Americano de Sociologia, e pude observar algumas peculiaridades daquele país. Mas, antes de relatar as especificidades, darei algumas informações sobre esse Congresso.
É o evento cientificomais expressivo na área das ciências sociais– sociologia na América Latina. Para ter ideia, a Associação Latina Americana de Sociologia (ALAS), organização que promove o congresso tem mais de 60 anos de atuação cientifica na América Latina, está na trigésima edição do evento, organizado a cada dois anos, sempre num país diferente da Região. O XXX Congresso foi realizado na Costa Rica, um dos maiores eventos,teve 2.300 participantes, onde 65% eram doutores e mestres, o restante estudante demestrado e de graduação, com trabalhos aprovados para apresentação. O evento teve 35 grupos de trabalho, 60 painéis e 30 conferências. Foram concedidos, pelas universidades da Costa Rica, 04 títulos de Doutor Honores Causas a professores congressistas. Essa é a máxima honraria concedida pelas universidades a uma pessoa que tenha prestado relevantes serviços à sociedade, tenha desenvolvido causas nobres à sociedade. Nos últimos anos tive a grata satisfação de participar desse importante evento, apresentei trabalho científico nos congressos realizados em Recife (2009), Chile (2013) e Costa Rica (2015).
Voltamos às peculiaridades da Costa Rica. Este é um pequeno país da América Central, limitacom a Nicarágua e o Panamá, banhado, por um lado, pelo mar do caribe, pelo outro,pelo oceano pacífico. A capital é San José. Uma cidade relativamente pequena para os padrõesbrasileiros, com pouco mais de um milhão de habitantes. Contudo, é uma cidade colonial organizada, com ruas planejadas, comércio relativamente desenvolvido, povo receptivo e hospitaleiro. A culinária é fasta e variada, à base de carnes, peixes, frutos do mar, ovos, arroz, feijão, batata, milho, frutas e muita verdura. O milho, assim como o feijão e o arroz estão na base da alimentação. São José é uma cidade rodeada de vulcões adormecidos,que se tornaram atração turística bem explorada, onde os visitantes podemsubir até o “olho” dos gigantes adormecidos, tomar banhos em águas vulcânicase apreciar a natureza.
A Costa Rica, populacionalmente, é pequena tem pouco mais de 04 milhões de habitantes, o território é um pouco maior que o território do Estado do Piauí. Contudo, na região centro-americana,ele tem maior Produto Interno Bruto (PIB), melhor educação eum salário mínimo cerca de U$ 800,00 (dólares). O país não produz carros, mas tem uma frota relativamente nova, importando do Brasil, do Japão e dos Estados Unidos. Moto é um transporte raro naquele país.
Na área da educação ele tem três universidades públicas e algumas universidades privadas. O analfabetismo lá é quase zero. O ensino fundamental e secundário são públicose gratuitos, mas o ensino superior e a pós-graduação são pagos. A lógica é simples: o estado garante conhecimento básico para todos, os conhecimentosem nível de profissionalização são investimentos da família. Por exemplo, aluno de mestrado precisa investiraproximadamente U$ 8 mil dólares para se formar e tertitulo de mestre. Nesse sentido, as classes mais elevadas economicamente são privilegiadas, pois têm melhorescondições deinvestir na profissionalização dos filhos, em quanto às camadas pobres,com menos condições de investimento na profissionalização dos filhos,e estacionam no ensino secundário,apenas uma pequena parte consegue realizar o sonho docurso superior. Para compensar essa discrepância o governo tem um programa de bolsas de estudos para alunos da graduação eda pós-graduação,que atende os estudantes pobres.
Por ser um país historicamente de paz e próximo de países que vivem em guerrae convulsão social(Colômbia, Nicarágua, El Salvador), recebe muitos imigrantes, nos últimos dez anos mais de um milhão se refugiaram na CostaRica. Essa condição de país de paz, pequeno geograficamente e em população dispensa a existência de um exercito. Isso faz ter mais recursos para investimentos, pois em qualquer Estado o exercito gera altas despesas.Além disso, ao invés dos jovens estarem servindo militarmente, ou seja, dedicando parte de seu tempo às forças armadas da nação, estão na escola, estudando e se formando. O recado é simples: menos militarismo, mais educação!
Antes demais, as minhas saudações a todos.
Recentemente na Imprensa Portuguesa a Costa Rica fêz títulos como:
-“A Costa Rica está há mais de 65 anos sem Forças Armadas”.
Esta é uma afirmação que não sendo falsa pode contudo induzir em erro…Tal como a salsicha pode ter dois princípios e/ou fins, tudo dependendo por onde começamos e acabamos de a comer, também a afirmação supra-citada é passível de diversa conclusão semântica.
Assim sendo:
Em 1948 termina a Guerra Civil na Costa Rica. A facção vencedora liderada pelo Pr. José Ferrer, não tem confiança nos militares, sobretudo nos oficiais e, dentro destes os do Exército em particular. Assim em Dezembro de 48, dez meses após o fim do conflito, são extintas as Forças Armadas, mantendo-se a Policia Nacional que tinha a confiança do Poder Politico.
Em 1949 o Governo da Costa Rica criou a Guarda Civil, onde integrou alguns dos ex-militares , após treino e formação dada pelas Forças Armadas Americanas.
Ao contrário da Policia Nacional que é uma força de estatuto Paramilitar com funções de segurança civil, a Guarda Civil é uma força com estatuto militar, agregando funções tipicamente militares e civis/policiais . Para além da Guarda Civil, foram também criadas a Guarda Rural e a Guarda de Fronteiras, ambas também com estatuto militar e com uma acção semelhante à da GNR e ex Guarda Fiscal em Portugal.
Importa aínda referir que a Guarda Civil Costa Riquenha dispõe de 3 componentes: Aérea; Naval; e Terrestre. Uma organização que a distancia assim de uma força tipo GNR e mais ainda de uma Policia Civil, aproximando-a ,sem dúvidas, de uma estrutura do “Tipo” Forças Armadas.
Em 1996 as 3 guardas: Civil; Rural e fronteiriça que estavam organizadas de forma independente, foram unificadas sob o mesmo mando, mantendo contudo as suas diferenças operacionais,assim como as respectivas denominações.
Para além da Policia Nacional, com competências de segurança e investigação, a Costa Rica dispõe de uma Guarda Civil assim estruturada:
1º- DIS- Direction de inteligencia i seguridad- Serviço de informações e segurança responsável também pela contra-espionagem. Está organizada em Serviços e Departamentos, dispondo de um quadro (estimado) de 350/400 efectivos.
2º- Guarda Presidencial- Organizada ao nível de Batalhão+(600/750 efectivos) e com funções Honorificas e de segurança.
3º- Guarda Rural- Com funções de segurança fora dos grandes centros urbanos e de reforço da Policia Nacional, em casos civis e de reforço do contingente geral da Guarda Civil, em caso de necessidades militares.- Está organizada em unidades territoriais de escalão Pelotão, Companhia e Batalhão, contando com um efectivo de 3.500 guardas.
4º- Guarda de Fronteiras- Tem como missões a vigilância das fronteiras e manutenção da sua soberania, o controlo de entradas no país , o combate ao narco-tráfico e, o reforço do contigente geral da Guarda Civil em caso de necessidade. Está organizada ao nível de Postos, companhias e Batalhões, dispondo de um efectivo de 3.500 militares.
5º- Guarda Civil –Divisão de Terra- Componente Terrestre da GC com um efectivo de 6.500 militares. Está organizada em sete Batalhões de Infantaria, cada um com Companhias de Apoio de Combate. Há ainda um Batalhão encarregue da defesa e segurança da fronteira Norte (com a Nicarágua). A estas unidades junta-se um Batalhão Independente de Operações Especiais, uma unidade de elite com cerca de 550 efectivos, treinada pelos “Gollani” Israelitas, Pelos “GOE” Espanhóis e pelos “Green Berets” Americanos. –Finalmente a UEI-Unidad Especial de Intervención, de escalão de Companhia Independente, com um efectivo de 120 homens treinados pelos Britânicos SAS, Iraelitas MOSSAD e Americanos SEAL, para além de unidades especiais de Espanha, Argentina e Panamá.
Para além do equipamento individual de combate dos militares, a Divisão de Terra está equipada com espingardas automáticas FN, Galil, M16, M14, com pistolas-metralhadoras UZI, HKmp5, com metralhadoras ligeiras M60, Negev, com armas anti-carro, anti-aéreas e morteiros. Para além de viaturas Humwee e Unimog, conta com APC, Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal, M113 e Commando.
6º- Guarda Civil – Guarda Costeira- Componente Naval da GC com um efectivo de 1.500/2.000 militares. Está organizada em dois comandos navais Caraíbas e Pacífico , dispondo cada um de Corvetas, Patrulhas, Vedetas, Lanchas de Fiscalização e Navios SAR (busca e salvamento).
7º-Guarda Civil- Secção Aérea- Componente Aérea da GC, com um efectivo de 1.000 militares. Está organizada em Esquadrilhas e Esquadras, dispondo de Aviões e Helis de treino, de meios aéreos ligeiros de ataque ao solo ( versão anti-guerrilha), meios de Transporte e assalto Táctico, e aviões e helis de reconhecimento, Patrulhamento e resgate.
8º- Guarda Civil- Guarda Civil Voluntária- Trata-se de um corpo de Reservistas Voluntários, organizados ao nível Regimental, onde servem, de forma estritamente voluntária, os cidadãos Costa Riquenhos que pertencem à Reserva Nacional de Mobilização. O seu efectivo é de 10.000 voluntários sujeitos a mobilização pontual, sendo que a Unidade conta em permanência com um efectivo (rotativo) de 3.000 homens.- A missão desta Unidade é servir de Reserva ao Contingente Geral da GC e em caso de Guerra, como prevê a Constituição da Costa Rica, servir de “embrião” à restauração do Exército.
9º-Várias unidades da Guarda Civil, no escalão de Pelotão ou Companhia, têm integrado missões de Paz , ao serviço dos Capacetes Azuis das NU. A Costa Rica, por Lei considera como Reserva de Mobilização em caso de necessidade, todos os cidadãos entre os 16 e os 49 anos. – Com esta estrutura da Guarda Civil, assim como da Policia Nacional, a Costa Rica tem despendido entre 0,8% a 1,6% do PIB.
Finalmente é de referir que a Costa Rica tem um acordo de defesa com os Estados Unidos, que muitos consideram reflectir uma posição de neo-protectorado, por via da não existência oficial de Forças Armadas. -Aliás esta foi uma questão quente na Costa Rica, quando em 2010 os USA decidiram , ao abrigo desse tratado, instalar uma “Task Force” de 7.000 militares, 200 aeronaves e 46 navios, em pleno território Costa-Riquenho, no âmbito da luta contra a droga decidida por Washington.
Situação que voltou a aquecer os ânimos , foi a disputa fronteiriça com a Nicarágua (ainda não resolvida), quando em 2011 uma unidade militar Nicaraguense, com meios de Engenharia pesada, procedeu ao desvio do caudal do rio San Juan, tendo a Nicarágua “conquistado”, neste processo, 91 hectares de solo da Costa Rica. –Este foi o caso que correndo ainda nos tribunais internacionais, tem levantado na Costa Rica a questão da necessidade de voltar a ter umas Forças Armadas institucionais.
Independentemente destas polémicas últimas , uma coisa é certa… dizer que a Costa Rica não tem Forças Armadas é uma mera questão Semântica.
Cumprimentos
Joaquim Reis(Jornalista do Serviço Público de Radiodifusão da RTP)