Muita informação e pouca ética

Por: José Osmando de Araújo – jornalista

A melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor”. Gabriel Gacía Márquez, escritor, Nobel de Literatura

“Na atualidade, temos excesso de informação e insuficiência de organização, logo, carência de conhecimento.” Edgar Morin, pensador francês

“As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel.” Umberto Eco, após uma cerimônia na Universidade de Turim

Temos aqui três dos mais notáveis pensadores desses revolucionários e inquietantes séculos XX e XXI, todos manifestando as suas percepções e análises acerca de uma realidade preocupante : o império das mídias sociais, com seus exércitos de geradores de comunicação, muitos deles agindo nem sempre de modo ético, razoável e adequado à convivência social, mas, muito abundantemente, de forma irresponsável e perniciosa.

É fato que o jornalismo, e a comunicação em geral, sofreram gigantesca transformação com o advento da Internet e, mais recentemente, das mídias sociais, que chegaram para ficar, trazidas por uma inédita e impactante revolução tecnológica.

Até o surgimento do que se chamou Arpanet, nos EUA, em 1969, e o aparecimento da Internet no Brasil, em setembro de 1988, a comunicação formal era uma espécie de mão única. Só jornalistas, postados nas redações de jornais e emissoras de rádio e TV, eram emissores de informação, quase que invariavelmente sem interação. Falava-se para interlocutores passivos.

O primeiro e-mail da história, emitido por um professor da Universidade da Califórnia para um amigo de Stanford, há 51 anos, foi o primeiro sinal de que ali começava um avanço que nos próximos anos iria mudar a relação das pessoas com a comunicação, e dessa com as pessoas, assumindo contornos abrangentes nos dias atuais.

Se a Internet – com seus e-mails-, já permitia às pessoas comunicar-se, individualmente, à distância, o surgimento de outros canais de relacionamento, agora chamados de mídias sociais, especialmente facebook, twitter, snapchat, whatsapp, instagram, e outras redes sociais e aplicativos típicos da atualidade, põe todo mundo na condição de comunicador, de emissor de informação e opinião.

A comunicação passa, então, a ser uma via de mão dupla, permitindo uma constante interlocução através de redes, e vão surgindo cada vez mais os grupos em aplicativos, classificados como mídia social, a exemplo do Whatsapp. Essas novas tecnologias da comunicação expandem de forma extraordinária, nunca antes sonhada, a quantidade de informações disponíveis às pessoas, para atender aos mais variados gostos e tendências.

Se, de um lado, essa formidável disponibilização de informação pode ser festejada como positiva, em razão de uma maior democratização do saber, e de uma visível contribuição no terreno da educação, gera grande preocupação e temor, tanto pelo mau uso, quanto pela qualidade da informação posta massivamente nas mãos das pessoas.

Quanto a esse temor, o escritor, Nobel de Literatura, José Saramago, disse ser “ inquietante, porque tudo isso mostra um mundo sobre o qual pairam as ameaças de desumanização e de manipulação”. O mesmo Saramago questiona: ”No momento em que explodem as tecnologias da comunicação, nós podemos perguntar se elas não estão a caminho de engendrar monstros de um novo tipo. Certo, essas novas tecnologias são elas mesmas o fruto da reflexão, da razão. Mas se trata de uma razão desperta, no verdadeiro sentido da palavra, isto é, atenta, vigilante, crítica, obstinadamente crítica?”.

A questão básica de José Saramago é a confrontação dessas duas possibilidades trazidas pela Internet e por suas redes e aplicativos sociais: a vertente positiva, permitindo às pessoas a ampliação do conhecimento, a facilitação para que se acesse democraticamente informações que contribuam para sua formação; ou a proliferação de bestialidades, sem qualquer conteúdo construtivo, apenas colaborando para ampliar a idiotização das pessoas, além de fomentarem intrigas, ódios, racismos, homofobias, e outras formas graves de desumanização.

Sabendo-se que a Internet nasceu do anseio e da necessidade do mundo acadêmico, um sonho das comunidades científicas- daí seu aparecimento dentro da Universidade da Califórnia -, compreende-se as manifestações de Saramago e outros tantos pensadores, como Edgar Morin, quando alerta :

“Na atualidade, temos excesso de informação e insuficiência de organização, logo, carência de conhecimento.”

Na mesma linha de raciocínio expressa-se o escritor Umberto Eco:

“Se você sabe quais os sites e bancos de dados são confiáveis, você tem acesso ao conhecimento. Mas veja bem: você e eu somos ricos de conhecimento. Podemos aproveitar melhor a internet do que aquele pobre senhor que está comprando salame na feira aí em frente. Nesse sentido, a televisão era útil para o ignorante, porque selecionava a informação de que ele poderia precisar, ainda que informação idiota. A internet é perigosa para o ignorante porque não filtra nada para ele. Ela só é boa para quem já conhece – e sabe onde está o conhecimento. A longo prazo, o resultado pedagógico será dramático. Veremos multidões de ignorantes usando a internet para as mais variadas bobagens: jogos, bate-papos e busca de notícias irrelevantes”.

Validando as preocupações de estudiosos em várias partes do planeta, é fato que a proliferação de frivolidades pela Internet, sem qualquer contribuição ao desenvolvimento humano, chegou acompanhada de forma avassaladora pelo que hoje se chama Fake News, ou notícias falsas, construídas a partir de informações infundadas, inexistentes ou distorcidas, tendentes a enganar e manipular o destinatário, muitas e muitas vezes com objetivos pré-fixados de influenciar opções políticas e favorecer lucros econômicos, resvalando em muitos casos para a proliferação do ódio entre grupos.

Dentre armas utilizadas como mídias sociais, o WhatsApp é hoje uma poderosa ferramenta de comunicação, com exponencial capacidade de difundir ideias, de organizar movimentos, mas, com a mesma força, de espalhar as Fake News.

O jornalista e professor da Fundação Cásper Líbero, Rodrigo Ratier, estudioso das mídias sociais, adverte que o WhatsApp, por sua própria natureza, “ não permite o contraditório. Não é uma praça pública digital, como é o Facebook, antes do reino algorítimo e suas bolhas ideológicas, que um dia ambicionou ser. O WhatsApp é, desde o berço, um condomínio fechado, um clube restrito, uma rodinha de amigos que se esforçam em suas crenças (maluquices? preconceitos? fofocam, conspiram. Um ambiente em que a disputa por atenção privilegia o que parece espetacular, secreto, exclusivo, sensacional. Terreno fértil para boatos, distorções e mentiras de todo tipo”.

A dimensão das Fake News, pelo mal que elas provocam na humanidade, é tamanha, que o próprio Papa Francisco, líder da Igreja Católica Romana, preocupou-se em se dedicar ao assunto por ocasião do Dia Mundial das Comunicações Sociais, transcorrido a 13 de Maio de 2019

Diz o Papa Francisco: “O drama de desinformação e das Fake News é o descrédito do outro, a sua apresentação como inimigo, chegando-se a uma demonização que pode fomentar conflitos. Deste modo, as notícias falsas revelam a presença de atitudes simultaneamente intolerantes e hipersensíveis, cujo resultado é o risco de se dilatar a arrogância e o ódio”.

É evidente que temos informação demais e quase nenhuma ética nesses nossos preocupantes tempos. É um ensejo, portanto, para que nesse 13 de Maio, reservado para celebrarmos o Dia Mundial da Comunicação, todos possam refletir sobre a responsabilidade crescente que nos cai aos ombros, especialmente nesse nosso mundo de Coronavírus e no pós-pandemia.

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