Projeto de Lei quer proibir eleitos de deixar mandatos para disputar eleição

Depois de conseguir êxito com a aprovação da Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, entidades e membros da sociedade civil organizada encabeçam uma nova empreitada. Dessa vez, querem trazer modificações no sistema político brasileiro com um novo projeto de lei de iniciativa popular. O projeto é polêmico e defende mudanças ousadas no sistema eleitoral, entre elas, a proibição de que políticos abandonem os mandatos para disputar as eleições.

A iniciativa parte do grupo formado pelos mesmos criadores da “ficha limpa”. Pelo texto do projeto inicial, o candidato para disputar um cargo eletivo teria que renunciar ao cargo, seja no Executivo ou no Legislativo. O modelo defendido é totalmente diferente do modelo atual. No sistema atualmente em vigor, apenas os candidatos a cargos executivos devem renunciar ao mandato, sendo que, em alguns casos, nem mesmo a legislação eleitoral impõe essa condição. Já para os ocupantes de cargos do legislativo, o afastamento não é obrigatório.

Um dos criadores do projeto, José Antônio Moroni, membro do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), avalia que, um político é escolhido para exercer um cargo e que, por isso, deve cumpri-lo até o final. “Quando o político se propõe a assumir um cargo, tem que cumprir esse compromisso”, argumenta. Se a lei estivesse em vigor, por exemplo, o senador Ciro Nogueira (PP) teria que ter renunciado ao mandato de deputado federal para disputar o Senado, assim como o governador Wilson Martins (PSB) teria que ter renunciado ao mandato de governador para disputar o Governo do Estado.

Especialistas já admitem que o projeto é ainda mais polêmico do que o projeto da Lei da Ficha Limpa. Ainda assim, o projeto, partindo do mesmo pressuposto do anterior, teria que ser aprovado um ano antes das eleições municipais de 2012. Ou seja, para entrar em vigor nas próximas eleições, o projeto teria que passar pela aprovação do Senado Federal, Câmara Federal e sanção presidencial até um ano antes do início dos registros de candidaturas para que não corresse os mesmos riscos de violação do principio da anualidade que fez com que a “lei da ficha limpa” fosse barrada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Na visão do articulador da Força Tarefa Popular no Piauí, Arimateia Dantas, o impedimento de um eleito abandonar o cargo para disputar uma eleição seria sanado se a reforma política, que está sendo discutida no Congresso Nacional, decidisse pela unificação dos mandatos. “Eleições conjuntas inviabilizaria o abandono do mandato para concorrer”, opina, acrescentando que a idéia é fazer uma mobilização grandiosa em torno do projeto para que se obtivesse ganhos significativos como aconteceu com a aprovação da Lei da Ficha Limpa.

Projeto quer impedir eleitos para o Legislativo ocupar cargos no Executivo

O projeto é ainda mais ousado. Candidatos eleitos para ocupar cargos legislativos (deputados, vereadores e senadores) ficariam impedidos de ocupar cargos no Executivo. Se fossem convidados e aceitassem, teriam de renunciar ao mandato para qual foram eleitos. Se a regra estivesse em vigor, o deputado Átila Lira (PSB), para assumir o cargo de secretário estadual de educação, por exemplo, teria de renunciar ao mandato e dar espaço à outro parlamentar e não apenas se licenciar como fez.

Da mesma forma, por exemplo, os deputados estaduais, Merlong Solano (PT), Henrique Rebelo (PT), Wilson Brandão (PSB), Lilian Martins (PSB), Robert Rios (Pc do B), Warton Santos (PMDB) e Ubiraci Carvalho (PDT) ficariam impedidos se assumir os cargos de secretário de estado, como acontece atualmente. Ou seja, para assumir, teriam que renunciar a seus mandatos.

No Piauí, o processo de coleta de assinaturas será feito, entre outras organizações, pelos articuladores da Força Tarefa Popular. Segundo o advogado e um dos coordenadores do grupo, Arimateia Dantas, o processo de coleta de assinaturas deverá ser feito durante a 10ª Marcha contra a Corrupção, que será realizada em julho. “Durante a marcha, vamos discutir todos os tópicos de nossa proposta e coletar as assinaturas das pessoas por onde a Marcha passar”, explicou.

Dantas argumenta que a idéia do projeto é fazer com que as pessoas não votem em um candidato e veja outro assumir no lugar. “E isso acontece muito. Um candidato é eleito para ser deputado, por exemplo, e vai assumir cargo no Executivo. O direito e a escolha do eleitor foi retirado. Além disso, como o projeto queremos que a pessoa que foi eleita para cumprir quatro anos de mandato, assuma os quatro anos e não abandone o mandato para disputar outro cargo”, pontuou.

O texto da proposta está disponível no site www.reformapolitica.org.br, e foi lançado no último dia 30, em Brasília. A idéia dos organizadores é deixar o texto, que contém também outras propostas de mudança no sistema eleitoral, disponível para consulta e sugestões até o dia 25 de abril. Após esse período, as sugestões serão consolidadas e o texto final será elaborado para iniciar o processo de coleta das 1,7 milhões de assinaturas necessárias para que a proposta seja protocolada no Congresso Nacional em forma de projeto de Lei de iniciativa popular.

Políticos do PI veem com ressalvas a aprovação do projeto

Mas se a iniciativa tem o apelo popular, o mesmo não se pode dizer em relação aos políticos do Piauí. O senador Wellington Dias (PT), que integra a Comissão de Reforma Política do Senado Federal, por exemplo, argumentou que é preciso cuidado para não se colocar uma regra que seja “artificial”.

O argumento do senador é simples. “Quando um candidato lança seu nome para uma disputa é porque ele acredita nas chances reais de vitória”, avaliou. O petista exemplificou o caso do ex-prefeito de Teresina, Silvio Mendes (PSDB). “O Silvio saiu da Prefeitura de Teresina por um apelo popular para que disputasse o Governo do Estado. Ele vinha sendo o melhor colocado nas pesquisas. Ou seja, o povo que disse que ele era um nome lembrado para governador”, ponderou, acrescentando que seu caso também foi o mesmo.

Pela lógica apresentada pelo senador piauiense, o mesmo aconteceu com o hoje deputado federal Assis Carvalho (PT). O petista foi eleito deputado estadual e, antes de encerrar o mandato, entrou na disputa por uma das vagas na Câmara Federal. O exemplo é o mesmo da vereadora Teresa Brito (PV), que não precisou renunciar ao mandato na Câmara Municipal para disputar o Governo do Estado.

“Como se opor, se omitir a uma discussão que está sendo apresentada, não só pelo seu partido, mas também pela população?”, questionou o senador, destacando que era preciso “cuidado” para não colocar a “regra artificial” que contrariasse a própria vontade popular, acrescentando que, a decisão da Comissão do Senado de unificar os mandatos e acabar com a reeleição sanaria este problema.

Sobre a impossibilidade de eleitos assumirem cargos no Executivo, o senador avaliou que a medida era ainda mais “polêmica”. Para ele, aprovar esse dispositivo contraria a própria Constituição Federal. “O executivo tem o direito constitucional de convocar qualquer brasileiro para sua equipe de governo”, argumentou. Entretanto, o senador reconhece que há, muitas vezes, números excessivos de pessoas eleitas para ocupar cargos no legislativo que acabam sendo convocados para o Executivo. “Na minha avaliação, é preciso estabelecer um limite do número de chamados. Até para ter um impacto menor em relação aos recursos públicos”, opinou.

A polêmica é também reconhecida pela deputada estadual Margarete Coelho (PP), que é presidente da Comissão de Reforma Política da Assembleia Legislativa. “Tem o livre arbítrio que precisa ser respeitado. Em nome de que princípio constitucional se aprovaria essa regra? Uma lei não pode entrar em vigor afrontando os demais direitos constitucionais”, avalia, preferindo cautela antes de se manifestar em profundidade sobre o assunto. “Eu ainda não tive acesso ao texto desse projeto. Seria prematura uma discussão”, observou.

Poucos projetos de iniciativa popular viram leis no Brasil

Desde a data da promulgação da Constituição de 1988, foram poucos os projetos de iniciativa popular que viraram leis. Segundo dados obtidos no Senado Federal, apenas quatro projetos elaborados pela população romperam as barreiras do Congresso e passaram pela sanção presidencial até se tornarem leis. Isso representa menos de 0,05% de um total de 9.429 proposições que se tornaram norma jurídica. O último deles foi a Lei da Ficha Limpa, aprovada em 2010.

O direito dos eleitores de apresentar projetos de iniciativa popular foi garantido por meio da Constituição de 1988. Antes disso, todos os projetos ou eram oriundos do legislativo ou do Executivo. O “Ficha Limpa” encerrou um jejum de quase cinco anos sem que uma matéria de iniciativa popular fosse convertida em lei pelo Congresso Nacional.

Dentre os projetos de iniciativa popular que se tornaram normas legais está a que cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), publicada em 17 de junho de 2005. Já o primeiro projeto surgido dos apelos da população foi o encabeçado pela escritora Gloria Perez, mãe da atriz Daniela Perez, que foi assassinada pelo seu parceiro.

O projeto, que deu origem à Lei nº 8.930, de 7 de setembro de 1994, estabeleceu que crimes qualificados fosse caracterizado como crime hediondo e foi enviada ao Congresso pelo então presidente Itamar Franco. Houve também o projeto que tornou a compra de votos como crime passível de cassação de mandato, aprovado em 1999.

Projeto de iniciativa popular deve coletar mais de 1 milhão de assinaturas

Até que uma ideia seja convertida em projeto de iniciativa popular, um grande percurso deve ser alcançado. Pela Constituição, um projeto de iniciativa popular tem de ser subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado (o equivalente hoje a quase 1,27 milhão de pessoas). Além disso, ela deve englobar pelo menos cinco Estados da federação, que tenha pelo menos 0,3% do eleitorado de cada região. No processo de coleta de assinaturas, deve ser pego também o nome completo do assinante, além do endereço e número completo do título eleitoral, com zona e sessão.

Mas as dificuldades de aprovação de um projeto de iniciativa popular não param por aí. As entidades que estão “encabeçando” os projetos devem se responsabilizar pela coleta de assinatura e também pela coleta de informações da Justiça Eleitoral quanto aos dados de eleitores por Estado. A partir daí, o projeto é protocolado na Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, que tem a obrigação de verificar as exigências. Nessa fase, o projeto de lei de iniciativa popular ganhará um número e passará a ter a mesma tramitação dos demais.

Fonte: Jornal O DIA

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