Somos crianças observando e interpretando o painel “Calvário de Cristo”

Genoveva Amorim
Genoveva Amorim

Por Genoveva AmorimEspecial para o PORTALESP

Encontrei-me na sugestiva imagem de uma criança observando e interpretando o painel “Calvário de Cristo”. Realmente foi interpretando aquele painel que fui forjando minha identidade cristã e esperantinense. Falar do referido painel, para esperantinenses, é quase uma redundância. Com certeza, todos nós temos nossas interpretações sobre o mesmo, sejamos cristãos ou não. Mais do que situar o painel no tempo, na história ou na política da nossa cidade, quero aqui, modestamente, falar de interpretações, conflitos e patrimônio cultural.

A riqueza da arte está na sua liberdade de interpretações. Nesse sentido, há várias interpretações a respeito do painel. O conflito se estabelece quando uma interpretação se sobressai às outras ou quando imaginamos e divulgamos o que achamos ser a interpretação correta. Sabemos que o referido painel foi construído dentro de um determinado contexto histórico, possivelmente a partir de uma interpretação particular. Mas a arte está aberta a interpretações diversas por pessoas da sua época, e também está aberta a ressignificações por pessoas de sociedades futuras. Isto é, a arte, o “objeto cultural”, está em um constante processo de atualização e significação sem que a mesma deixe de ser um instrumento que faz mover nossa memória coletiva. E é essa nossa capacidade de ressignificar que amplia a nossa capacidade de compreender o mundo.

Como católicos, buscamos a fraternidade, mas algumas vezes esquecemos que a união se constrói com a tolerância e o respeito à diversidade. Em respeito a essa diversidade, aceito a opinião daqueles que acham que o painel está em um local errado, por conter elementos e imagens que não são sacras. Contudo, quero alertar que as diversas imagens sacras foram construídas historicamente. As mesmas, na sua época, tiveram dificuldades em serem aceitas. Aliás, ainda hoje vários grupos religiosos se recusam a ter imagens dos seus deuses. O sentido do sagrado, a sacralidade das imagens, é construída pela comunidade religiosa e aos poucos se torna reconhecida pelas igrejas oficiais.

Para o antropólogo Geertz é através das imagens públicas que organizamos, formamos e reorientamos uma ordem significativa que funciona como um modelo simbólico. Um modelo através do qual localizamos uma forma de proceder, ou de encontrar significado, diante de vários acontecimentos e emoções que a vida nos proporciona diariamente. Muitas vezes é um evento, um objeto cultural ou mesmo uma casa antiga que nos permite reconhecer o passado, compreender o presente e agir sobre ele.

Nesse sentido, quero retornar ao segundo ponto da minha reflexão: o tombamento do painel “Calvário de Cristo”. Ao identificar os objetos culturais, os técnicos do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) trabalham para sua conservação, restauração e proteção oficial de acordo com a Constituição Federal e o decreto lei número 25, de novembro de 1937 (Lei do Tombamento). O tombamento, de acordo com o “Guia Básico de Educação Patrimonial”, do IPHAN, é um registro oficial e legal de um edifício, de objetos ou coleções que possuem significado para a sociedade. Isto é, o tombamento reforça a nossa propriedade, de cidadãos esperantinenses, sobre o painel e nos ajudará na conservação e reconhecimento dessa arte sacra.

É realmente lastimável o que já foi deteriorado do patrimônio cultural de Esperantina. Quanto a isso talvez não possamos fazer muita coisa. Felizmente, agora temos uma oportunidade de refletir sobre nossas ações. Isso, para mim, é muito importante. Como pessoas esclarecidas, não podemos deixar que mais um objeto cultural seja destruído. Caso isso venha acontecer, seremos cobrados, ainda por essa geração e com certeza pelas gerações futuras.

Agora lembrei aquela frase de Jesus: “Àquele a quem muito foi dado, muito será exigido”. Hoje sou muito grata à minha cidade por tudo que sou. E tudo o que sou, nasceu de um olhar de uma criança, e depois de uma jovem cheia de sonhos, sobre aquele painel.  Também me sinto na responsabilidade de alertar: todos nós, em maior ou em menor grau, somos atualmente responsáveis pela conservação e manutenção dos nossos bem culturais.

Genoveva Amorim é esperantinense, mestra em antropologia social pelo PPGAS-UFAM – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas. Atualmente cursa doutorado na mesma instituição e desenvolve pesquisas etnológicas sobre temas relacionados a etnicidade, a territorialidade, a religião, a política e ao xamanismo.painel

3 Comentários
  1. firmo carvalho diz

    Cara Genoveva Amorim, muito obrigado pelos esclarecimentos ao nosso povo , não podemos deixar que toquem na magnífica OBRA DE ARTE.
    Fiz visitas a coleções de Motos e Veículos Antigos, e ao Museu da Cera no Rio Grande do Sul e tudo pago e aqui poderíamos trabalhar com a idéia de Cartão Postal , juntamente com os de nossa Cachoeira do Urubu e angariar recursos para a manutenção dos mesmos.

  2. ana tontini diz

    Parabéns, Genoveva! Artigo sábio e oportuno.vamos lutar pela nossa história!

  3. Ladislau João da Silva diz

    Querida Genoveva,
    Gostei muito de sua reflexão sobre nosso famoso painel do ”CALVÁRIO DE CRISTO HOJE”.Percebe-se que sua fé é encarnada e ligada à vida concreta.Continue sendo esta profetisa.Abraço.

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