Trajetória da família Koury no Brasil

Desafio internacional de libaneses em busca da paz e sobrevivência. Do Libano para as terras da América do Sul, onde sonhos foram realizados e muitas lembranças permanecem nos descendentes da família 

Paulo Machado / paulomachado963@gmail.com / São Paulo -SP

São Paulo, BRASIL
São Paulo, BRASIL

Após sua independência conquistada, a atual República do Libano está localizada na costa do Mar Mediterrâneo, ao norte faz fronteira com a Siria e com Israel no sul. O Libano éo território onde surgiu a Fenicia, uma das mais importantes civilizações do mundo antigo. Os fenicios eram grandes navegadores e comerciantes, seu maior legado para a humanidade foi a invenção da escrita. Na guerra ocasionada pelo último estágio da decadência final do Império Otomano, no final do século XIX e inicio do século XX, muitos libaneses migraram para o continente americano, com destino ao Brasil, Estados Unidos e Argentina.

O SECRETÁRIO DO EMIR

Henri Koury era secretário do emir em Deir el-Kamar e fez um favor aos europeus católicos. Henri Koury convenceu o emir a assinar  uma ordem onde aos europeus católicos e seus navios foi permitido entrada no porto de Saida, assim puderam fazer comércio pacificamente com os muçulmanos. Quando esta notícia chegou em Roma, o Papa Leão XIII ficou muito contente. Como recompensa e homenagem, o Papa Leão XIII  escreveu uma bula em latim, dando a Henri Koury e sua descendência masculina o título de Conta Papal. Henri Koury e sua descendência são católicos maronitas.

O emir do Monte Libano emitiu a ordem sem informar às autoridades do Império Otomano, o que ocasionou uma busca por vinganças. O filho de Henri, Charles-Henri Koury, também era contra os otomanos. Os inimigos fizeram intrigas contra Charles-Henri e finalmente lhe organizaram uma acusação e pena de morte. O principe de Mônaco quis agradar ao Papa e ofereceu proteção a Charles-Henri, mas ele não pode aceitar a ajuda oferecida pelo príncipe, pois era muito envolvido com os franceses.

ALIADO DOS FRANCESES

Em 1892, Charles-Henri Koury, natural do Monte Libano, era um agente aliado da presença francesa na região. O senhor Koury viajou bastante ao Chipre juntamente com os franceses. A região libanesa estava em guerra fria contra a Turquia. Ao ser descoberto pelas autoridades de ocupação turca, Charles-Henri teve que fugir para a França, afim de escapar da condenação e pena de morte. Fugindo de sua terra natal, Charles-Henri Koury embarcou num navio rumo a França e durante a viagem conheceu um senhor Chateubriand, parente do famoso escritor e pensador francês François-René de Chateaubriand. Ambos se tornaram amigos. 

Na França, senhor Chateubriand convidou Charles-Hernri para estudar na mesma universidade junto com o filho dele. Ambos se formaram em 1896 e decidiram propagar a cultura francesa no Brasil. Charles-Henri Koury se formou em Ciências e Linguas. No Brasil, a cidade escolhida para os novos ideais de Charles-Henri foi Recife, capital do Estado de Pernambuco, no Nordeste brasileiro. Charles-Henri Koury foi professor e diretor da Escola “Assis Chateubriand” em Recife. Fundada por colonizadores holandeses numa breve passagem pelo Brasil, Recife está situada às margens do Oceano Atlântico e é um importante centro cultural.

A FAMÍLIA DOUEIHY

Latifeh Doueihy (Julieta no Brasil)
Latifeh Doueihy (Julieta no Brasil)

Georges Doueihy era natural da provincia de Zghorta, no Monte Libano, e quando tinha 15 anos de idade já trabalhava em navios no porto de Mina, perto de Tripoli. Trabalhando no porto, Georges foi levado embora por descuido num navio francês, pois esqueceram de avisá-lo para deixar a embarcação antes da partida. Ao desembarcar em Toulon, na França, o capitão do navio admitiu o jovem Georges Doueihy na escola militar Saint-Cyr, juntamente com outros estudantes franceses que estavam no navio. Anos depois, Georges Doueihy se tornou um oficial e foi enviado para a Indochina. George Doueihy recebeu o título de cidadania francesa.

Depois retornou ao Libano, a sua terra natal, onde se casou e voltou para a França. Em 1894, os turcos começaram a matar cristãos no Oriente, então Georges Doueihy foi enviado para a Grécia como diplomata, junto com ele foi também o Exército. Georges tinha uma filha, Latifeh Doueihy, com 17 anos de idade. Latifeh foi pedida em casamento por um voluntário grego. A filha de George Doueihy foi rebatizada de acordo com os dogmas da igreja ortodoxa e se tornou uma cidadã grega. Alguns meses depois, Nicolau, o marido de Latifeh, foi morto numa batalha contra os turcos. Latifeh ficou viúva com dois filhos; um menino e uma menina.

Na mesma época da tragédia, Georges Doueihy foi designado para cumprir a missão diplomática de cônsul honorário da França no Brasil. Georges trouxe consigo a filha Latifeh e os dois netos; José e Philomena. Georges cumpriu a sua missão diplomática no Rio de Janeiro, que era a Capital do Brasil naquela época. Latifeh estudou por muitos anos na França em escolas religiosas. Oficialmente no Líbano e na Europa, consta como oficial o nome da filha do diplomata Georges Duoeihy como LATIFEH DOUEIHY, mas com a vinda do pai ao Brasil em missão diplomática oficial para o governo da França, ela teve o nome mudado para JULIETA. Morando no Rio de Janeiro, Julieta Doueihy publicou muitos artigos em jornais, em francês e português. A atuação de Julieta em jornais do Rio de Janeiro eram contra a invasão turca no Libano.

O ENCONTRO COM CHARLES-HENRI

Devido a colaboração em jornais do Rio de Janeiro, Charles-Henri Koury tomou conhecimento da existência da jovem Julieta, ela já estava com 22 anos de idade. Através de uma carta escrita ao cônsul francês, o professor Charles-Henri pediu a mão de Julieta em casamento. Apartir daí, o cônsul Georges Doueihy ficou sabendo que Charles-Henri trabalhava ensinando a cultura francesa em Recife eo convidou para ir ao Rio de Janeiro. O cônsul era a favor do casamento da filha Julieta com Charles-Henri. Diante daquela situação, Julieta já se achava velha e não poderia se casar mais uma vez. Preocupado com a segurança eo futuro da filha, Georges implorou para que Julieta se casasse com Charles-Henri. 

Em 1899, Julieta Doueihy se casou com Charles-Henri Koury e foram morar em Recife. O casal teve quatro filhos, três meninos e uma menina: Edouard Koury, Phillipe Koury, Helena Koury e Charles Koury. A família passava o verão em Floresta dos Leões, cidade situada a 50 kms a Oeste de Recife. Em 1931, Floresta dos Leões mudou de nome e passou a se chamar Carpina. Edouard, Phillipe e Helena foram registrados no cartório de Floresta dos Leões, atual Carpina. Charles, o filho mais novo, foi registrado em Recife. Os filhos de Julieta, nascidos na Grécia no primeiro matrimônio com Nicolau, José e Philomena, pemaneceram no Rio de Janeiro com o avô Georges Doueihy e alguns tios.

Beirute, LIBANA VOLTA AO LIBANO

Em fevereiro de 1914, o governo otomano emitiu uma decisão jurídica de anistia, onde declarou inocente Charles-Henri Koury, além de terem devolvido suas propriedades no Monte Libano. Mas Charles-Henri não confiou na decisão do governo otomano. Mas Julieta decidiu voltar ao Libano para rever os parentes que moravam em Zghorta, a aldeia do pai dela situada no Norte do Libano. Julieta aproveitaria a viagem para também ver as propriedades do marido em Rechmaya, aldeia do Monte Libano.  Seus dois filhos do primeiro matrimônio, José e Philomena, os quais moravam com o avô no Rio de Janeiro,  permaneceram com ele. Na época, José tinha 19 anos de idade e Philomena 18 anos.

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Quando Julieta chegou de volta ao Libano em 1914, logo ficou sabendo que a maioria das propriedades do marido tinham sido roubadas. Assim, Julieta eos filhos seguiram para a aldeia de Zghorta, onde moravam seus parentes. Logo em seguida souberam que a guerra tinha sido declarada na Europa e se espalhava por várias partes do mundo, inclusive no Libano. No terror da Primeira Guerra Mundial, era impossível se levar qualquer navio para a França ou Brasil. Julieta permaneceu com seus quatro filhos na aldeia de Zghorta.  

Na Primeira Guerra Mundial, o Libano foi cercado e isolado pelos otomanos. Frequentemente os soldados turcos faziam incursões e levavam tudo o que poderia ser comido. Julieta gastou todo o seu dinheiro nos primeiros meses da guerra. Depois vendeu todas as suas jóias. O assédio turco fez com que um terço da população libanesa morresse de fome. Os inimigos queimavam e destruiam todas as culturas de lavoura que encontravam. 

Para não morrer de fome, Julieta plantava batatas em segredo, assim a invasão inimiga não poderia ver, pois batata cresce sob o chão. A libertação dos libaneses ocorreu somente com a chegada do Exército da França. Os franceses transformaram a presença deles no Libano como força de ocupação da terra de inimigo em protetorado de uma nação amigável. A Primeira Guerra Mundial acabou definitivamente com o Império Otomano.

ENTRE O LIBANO E BRASIL

Julieta e seus filhos com Charles permaneceram morando no Libano. As crianças cresceram e estudaram em escolas francesas instaladas no Libano. Edouard Koury foi gerente da via férrea de DHP. Philippe Koury foi gerente de intendência do Exército francês. Helena Koury foi secretária executiva da Universidade Jesuíta Francesa. E Charles Koury, o filho mais novo, foi gerente do Hotel-Dieu de France em Beirute, capital do Libano. 

Em 1949, Charles Koury já era casado e voltou a morar no Brasil. José Nicolau Bueres, o filho de dona Julieta no primeiro matrimônio ocorrido na Grécia, ainda estava vivo e morava em Belém, capital do Estado do Pará, no Norte do Brasil. De Belém, José escreveu uma carta, no dia 18 de fevereiro de 1950, ao meio irmão Charles Koury, onde entre outras coisas dava notícias da família: sua irmã Philomena tinha morrido. Em sua carta bem redigida, José se declarava emotivo e lamentava as circunstâncias que fizeram sua família viver em terras tão distantes. 

Histórias como a da família Koury mostram que o mundo se tornava sem fronteiras já no início do século XX, o que resultou na globalização em que se vive na atualidade. É nas maiores dificuldades da vida que o ser humano decide por em prática todo o seu potencial na busca pela sobrevivência. Em meio à guerra é possível encontrar soluções para o estabelecimento da paz e da felicidade. A vida tem as suas dificuldades e desafios, mas a vitória é certa para os que têm a fé e a coragem de sairem em busca da superação.

paulo machado

6 Comentários
  1. Caio Cesar Koury diz

    Olá, Gostaria de Saber mais sobre a tragetoria dos meus antepassados vindos do Libano para o Brasil, Por favor mande um email pra min com informações mais precisas…
    Um Abraço.

    1. PAULO MACHADO diz

      Prezado Caio Cesar Koury,

      Eu sou o autor da matéria TRAJETÓRIA DA FAMILIA KOURY NO BRASIL. Por gentileza escreva para o meu e-mail, assim poderei lhe repassar mais informações sobre a família Koury. Obrigado. Escreva para paulomachado963@gmail.com

  2. vania koury diz

    olá,
    Por gentileza gostaria de saber mais sobre a familia koury.
    obrigada

    1. PAULO MACHADO diz

      Prezada Vania Koury,

      Entre em contato comigo e lhe direi mais detalhes, pois sou o autor desta matéria sobre a família Koury. Meu e-mail é paulomachado963@gmail.com
      Obrigado

  3. OMAR BUERES diz

    Emocionei-se em tomar conhecimento de fatos envolvendo parte de minha família. Com alegria vi a referência feita ao meu saudoso avô JOSÉ NICOLAU BUERES e a foto de sua mãe, minha bizavó LATIFEN JORGE DOUAHY BUERES. Agradeço ao redator da matéria pelo raro momento de deleite que me proporcionou. Abraços !

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